“ Eu acho que há muitos céus, um céu para cada um. O meu céu não é igual ao seu. Porque céu é o lugar de reencontro com as coisas que a gente ama e o tempo nos roubou. No céu está guardado tudo aquilo que a memória amou...” Rubem Alves
Escolhi o texto A Casa de Rubem Alves - Cozinha, com o objetivo de mostrar para o público infanto-juvenil, um pouco do nosso passado, quando não havia o fogão a gás, e a vida era muito diferente dos dias atuais. Conheci e usei o fogão a lenha. O texto me trouxe esta lembrança. Iremos conhecer o interior das casas brasileiras do passado, na companhia do escritor e educador brasileiro Rubem Alves, que começa nos apresentando a cozinha.
A Casa de Rubem Alves - Cozinha
Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu
acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise.
Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente
revela também o lugar preferido da alma.
Nas Minas Gerais, onde nasci, o lugar mais importante era a cozinha. Não era
o mais chique e nem o mais arrumado.
Sala de visitas: "lugar chique e arrumado" |
"Seria tão bom, como já
foi...", diz a Adélia. A alma
mineira vive de saudade. Tenho saudade do que já foram as velhas cozinhas de Minas, com seus fogões
de lenha, cascas de laranja secas penduradas, para acender o fogo, bule de café
sobre a chapa, lenha crepitando no fogo, o cheiro bom da fumaça, rostos
vermelhos. Minha alma tem saudades
dessas cozinhas antigas...
Fogo de fogão de lenha é diferente de todos os demais fogos. Veja o fogo de uma vela acesa sobre uma mesa. É fogo fácil. Basta encostar um fósforo aceso no pavio da vela para que ela se acenda. Não é preciso nem arte nem ciência.
Até uma criança sabe. Só precisa um cuidado: deixar
fechadas as janelas para que um vento súbito não apague a chama. O fogo do
fogão é outra coisa. Bachelard notou a diferença: "A vela queima só. Não
precisa de auxílio...
As pessoas da cidade, que só conhecem a chama dos fogões a gás, ignoram a arte que está por detrás de um fogão de lenha aceso. Se os paus grossos, os paus finos e os gravetos não forem colocados de forma certa, o fogo não pega. Isso exige ciência. E depois de aceso o fogo é preciso estar atento. É preciso colocar a acha suplementar, do tamanho certo, no lugar certo. Quem acende o fogo do fogão de lenha tem de ser também um atiçador.
Fogo de fogão de lenha é diferente de todos os demais fogos. Veja o fogo de uma vela acesa sobre uma mesa. É fogo fácil. Basta encostar um fósforo aceso no pavio da vela para que ela se acenda. Não é preciso nem arte nem ciência.
Conha moderna com fogão a gás |
As pessoas da cidade, que só conhecem a chama dos fogões a gás, ignoram a arte que está por detrás de um fogão de lenha aceso. Se os paus grossos, os paus finos e os gravetos não forem colocados de forma certa, o fogo não pega. Isso exige ciência. E depois de aceso o fogo é preciso estar atento. É preciso colocar a acha suplementar, do tamanho certo, no lugar certo. Quem acende o fogo do fogão de lenha tem de ser também um atiçador.
O fogão de lenha nos faz voltar "às
residências de outrora, as residências abandonadas, mas que são, em nossos
devaneios, fielmente habitadas" (Bachelard).
Já se disse que o homem surgiu quando a primeira
canção foi cantada. Mas eu imagino que a primeira canção foi cantada ao redor
do fogo, todos juntos se aquecendo do frio e se protegendo contra as feras.
Antes da canção, o fogo. Um fogo aceso é um sacramento de comunhão solitária.
Solitária porque a chama que crepita no fogão desperta sonhos que são só
nossos. Mas os sonhos solitários se tornam comunhão quando se aquece e come.
Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. Pois os jardins ficavam atrás.
Lá
estavam os manacás, o jasmim do imperador, as jabuticabeiras, laranjeiras e
hortaliças. Era fácil sair da cozinha para colher chuchus, quiabo, abobrinhas,
salsa, cebolinha, tomatinhos vermelhos, hortelã e, nas noites frias, folhas de
laranjeira para fazer chá.
Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. Pois os jardins ficavam atrás.
Chuchu |
Ah! Como a arquitetura seria diferente se os arquitetos conhecessem também os mistérios da alma ! Se Niemeyer tivesse feito terapia, Brasília seria outra. Brasília é arquitetura de arquitetos sem alma.
Se eu fosse arquiteto minhas casas seriam planejadas em torno da cozinha. Das coisas boas que encontrei nos Estados Unidos nos tempos em que lá vivi, estava o jeito de fazer as casas: a sala de estar, a sala de jantar, os livros, a escrivaninha, o aparelho de som, o jardim, todos integrados num enorme espaço integrado na cozinha.
O Jantar - pintura de Jean Baptiste Debret. O Senhor, a Sinhazinha e seus escravos |
Eu acho que nosso costume de fazer cozinhas isoladas do resto da casa é uma reminiscência dos tempos em que elas eram lugar de cozinheiras negras escravas, enquanto as Sinhás e Sinhazinhas se dedicavam, em lugares mais limpos, a atividades próprias de dondocas como o ponto de cruz, o frivolité, o crivo, a pintura e a música...
Fonte para ler o texto na íntegra:
Amplie seus conhecimentos. Conheça a biografia de Rubem Alves. Clique no link: Dia do Professor. Gaiolas ou Asas? “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”.
Rubem Alves. Biografia do autor
http://serravallenaafricadosul.blogspot.com.br/2013/10/dia-do-professor-gaiolas-ou-asas-ha.html
Interpretação de texto
Rubem Alves. Biografia do autor
http://serravallenaafricadosul.blogspot.com.br/2013/10/dia-do-professor-gaiolas-ou-asas-ha.html
Interpretação de texto
1. Qual é o tema do texto ? Quem é o seu autor ?
2. Leia o fragmento de texto: ... "Lugar chique e arrumado era a sala de visitas", Descreva os dois ambientes da sala do texto: a sala de visitas e a cozinha das Minas Gerais, onde o autor nasceu.
3. Leia o último parágrafo do texto. Observe a pintura do artista francês Jean Baptiste Debret, que retratou o cotidiano do Brasil no século XIX. Qual o nome da tela ? Escreva um texto de até 6 linhas sobre a cena retratada na pintura.