sábado, 9 de abril de 2016

“A criança nasce cientista. É a escola que a silencia”. “A criança faz as perguntas certas. A gente é que desaprende a enxergar isso”, diz Roseli de Deus Lopes


Achei  importantíssima a matéria publicada na Revista Época, no último dia 05/04/2016, assinada pela jornalista Flávia Yuri Oshima, que destaca na chamada a afirmação impactante  da engenheira e professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Roseli de Deus Lopes,  idealizadora de uma das maiores Feiras de Ciências do país – a  Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE), que este ano completou 14 anos. 


Segundo a reportagem, o evento reúne projetos de alunos de escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio de todo o país. Uma vez por ano, esses projetos são exibidos e explicados durante três dias na USP para um público que reúne universidades, empresários e outros alunos. Diz  a professora Roseli:

“A criança nasce cientista. É a escola que a silencia”.

Quanta verdade em poucas palavras. Quantas vezes nós reprimimos as perguntas e os questionamentos dos nossos alunos.  Para Roseli,  a falta de infraestrutura ou de professores com formação específica não é impeditivo para o ensino do método científico aos alunos.   Diz que  não é preciso dinheiro nem recursos supermodernos para o ensino de ciências, computação e matemática, e mesmo professores com formação deficitária fazem a diferença quando se envolvem com as ideias das crianças.  Prossegue:

Imagem  http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/importancia-perguntar-733929.shtml

A criança faz as perguntas certas.  A gente é que desaprende a enxergar isso”.

Concordo com a Professora Roseli, pois aprendemos no decorrer da nossa atividade e formação de professores que perguntar e esclarecer  dúvidas  fazem  parte do processo de ensino- aprendizagem.  Mas é fato que nem todos os nossos alunos conseguem dizer que não entenderam algo ou até mesmo fazer uma pergunta para satisfazer sua 
curiosidade, seja por timidez ou porque o ambiente não lhes propicia essa liberdade, por isso, simplesmente não perguntam. 

Roseli Lopes, professora do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP, e idealizadora da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia, a Febrace (Foto: Divulgação), baixada da reportagem.


Selecionei  alguns trechos  da reportagem, que pode ser acessada na íntegra, no link colocado no final deste post. Vamos ler trechos da entrevista:
ÉPOCA - Como surgiu a ideia de montar uma feira de ciências?

Roseli de Deus Lopes - Há 15 anos, percebemos que para estimular jovens a irem para a universidade, precisaríamos atuar na educação básica. Eles não sabem que são supercriativos e que têm esse potencial todo para ser mostrado aqui. Fizemos uma pesquisa e identificamos que mesmo as escolas que faziam os melhores trabalhos em ciências tinham uma questão: os trabalhos nessas escolas eram muito mais de reprodução. 

O professor mostrava uma tecnologia e o aluno montava alguma coisa muito parecida com aquilo só para ilustrar. Não era um movimento em que se tenta buscar os problemas e uma solução para eles. Era o oposto. Eles buscavam problemas que fizessem sentido para aquela tecnologia que já estava desenvolvida. Então, era um raciocínio às avessas, de colônia mesmo.
A receita já vem de outro lugar, você monta e ensina as pessoas a usarem. A gente percebeu que o problema era anterior a esse. Não era uma questão de aprender a usar a tecnologia, mas, sim, o de provocar um olhar mais observador por parte do aluno para que ele identifique os problemas e aí o uso das tecnologias vem mais naturalmente.

Partir do problema é um jeito de fazer as disciplinas da escola fazerem sentido na vida. Para que eu vou querer biologia? Não é só para passar numa prova, ou num vestibular. Eu tenho de perceber o valor que aquilo tem para a minha vida.

ÉPOCA - Esse foi o critério para selecionar os trabalhos que poderiam participar da feira?

Roseli - Sim. O objetivo da Febrace não era ser grande, mas, sim, ser representativa. Queríamos ver o que está acontecendo nas escolas públicas e privadas deste país afora. Começamos a desenvolver uma série de materiais e de ações para estimular as escolas a adotar esse tipo de trabalho e a realizar pequenas feiras internas para estimular esse ambiente.

As feiras de projetos são importantes porque são um espaço de troca. A gente aprende observando o que o outro está fazendo. Criamos um curso online que mostra o que é fazer um projeto, e o que é o método da pesquisa tecnológica...

ÉPOCA - O alvo são as crianças de qual idade?

Roseli - Nós fizemos o curso numa linguagem simples que mesmo crianças já alfabetizadas a partir do fundamental I (6 anos de idade) já acompanhem. A ideia é que o professor faça o curso primeiro e ele mostre o mesmo material para orientar os alunos.

O papel principal do professor é em relação às questões de segurança e de ética na pesquisa. A criança é tão curiosa e tão criativa que às vezes propõe ações e formas de investigar as hipóteses que formulam que podem colocá-la em risco físico ou em risco emocional.

Imagine se ela elabora um questionário que possa colocá-la em situações constrangedoras. A ideia é que o aluno faça um plano de ação e procure um professor ou um outro adulto que possa orientá-lo e que avalie se as perguntas e as suposições estão bem formuladas, ou se os materiais que eles teriam de usar estão disponíveis na escola e se apresentam algum risco na manipulação. Como eles têm de viajar, nos concentramos na faixa etária de 13 a 20 anos.  Mas, incentivamos que nas escolas e nos municípios, eles trabalhem com todas as faixas etárias. 

‘A criança nasce cientista, nasce engenheiro e tecnologista e a escola ruim é que o cala. Ela mata a curiosidade, mata a capacidade de a criança observar”...

ÉPOCA - Qual é a resposta hoje de quando as escolas e alunos pedem ajuda nas universidades?

Roseli - Há 14 anos, eu diria que era difícil receber esse retorno. Mas com o tempo, conseguimos trazer mais visibilidade para os projetos com ações conjuntas com o ministério de educação, com as universidades e as agências de fomento.

Hoje, as universidades não estranham mais quando recebem pedidos da garotada. Há dois anos, foi criada uma bolsa de iniciação científica júnior e isso facilitou muito. Muitas universidades hoje têm programas de pré-iniciação. Esse processo de valorizar as iniciativas dos alunos da educação básica tem rolado. 

ÉPOCA - De quanto é essa bolsa para alunos da educação básica?

Roseli - É de R$ 1 200 no total. O valor pode parecer pequeno, mas para alguns essa é justamente a verba que falta para ele poder comprar alguma coisa para o projeto ou para ele poder se deslocar até a universidade. 

O mais importante é o valor simbólico dessa bolsa porque ele abre a porta dos centros universitários, dos centros de pesquisa. Antes, o orientador tinha medo de ter o aluno no laboratório. Agora, com a bolsa, ele tem também um seguro para a pesquisa.

Antes tínhamos muitas situações informais. Hoje conseguimos ter situações formais de pesquisa com crianças e adolescentes. 

ÉPOCA - Há muita diferença entre a escola pública e a privada?

Roseli - Essa é uma boa pergunta por que me dá a oportunidade de desmistificar um pouco o ensino das ciências e da tecnologia. Aqui a gente tem escolas que ficam no interior do Maranhão, que não têm estrutura, mas que têm o essencial, que é alguém que tem  vontade e que acredita que pode fazer a diferença. São alunos e professores que aprendem a fazer perguntas qualificadas.

ÉPOCA - O que é preciso ter na educação básica para fazer da pesquisa uma cultura?

Roseli
- A principal coisa é acreditar que dá para mudar, que dá pra fazer ciência em qualquer circunstância. Quando vemos um vídeo com todos esses sotaques diferentes criando e tocando seus projetos, vemos que tudo é possível. Temos histórias de crianças pequenas que geraram impacto em suas comunidades e criaram soluções sem nenhuma infraestrutura.

ÉPOCA - A baixa qualidade da formação dos professores é um impedimento para esse tipo de programa?

Roseli
- Temos de ser realistas. Se eles tivessem uma formação melhor, seria mais fácil. Mas temos de trabalhar com o professor que está na escola. Quando  quer, ele faz diferença. Temos exemplos de professores com formação muito precária e em realidades difíceis que fazem uma diferença incrível para esses alunos.

Tivemos este ano, um professor de história que mobilizou uma escola inteira para desenvolver projetos de ciências. Ele não tem conhecimento na área, mas teve vontade e liderança. E, principalmente, acreditou nas crianças.
Fonte:  
OSHIMA, Flávia. Revista Época. Globo.com G1.  05/04/16.  Acesso em 08/04/2016
Disponível em:           http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/04/roseli-de-deus-lopes-crianca-nasce-cientista-e-escola-que-silencia.html      
                            
As duas primeiras imagens são do google. Site Educar para Crescer:
http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/importancia-perguntar-733929.shtml